Nem sei por que me incomodei com a cena, tão corriqueira tem se tornado. Quatro amigas jovens e bonitas, no animado ambiente de um restaurante e absolutamente solitárias, ilhadas no mundo virtual de seus telefones celulares, absortas na fantasia compartilhada de suas vidas cada vez mais fragmentadas, curtindo freneticamente posts de suas 1437 distantes amigas virtuais, e deixando de curtir a noite estrelada com as amigas ao lado. Diversão, de verdade, só na virtualidade. Não curti.
Só pararam de teclar quando a comida chegou, e então não houve muita conversa, porque os maxilares estavam ocupados demais em digerir os apimentados quitutes. Ao final do quase silencioso jantar, devem ter tuitado o quão feliz e animada foi a noite na agradável presença das amigas. Postaram alguns auto-retratos no Face, e é assim que vão se recordar do encontro, pelas fotos do celular, já que provavelmente não haverá muito repertório vivencial a ser lembrado dessa contemporânea experiência muda.
Talvez eu esteja virando um dinossauro rabugento, desses que não conseguem mais compartilhar plenamente a experiência de uma vida cada vez mais virtual. Ou nem tanto, já que tenho também minha eletrália parafertrônica: celular, facebook, twitter, blog, site e um punhado de contas de e-mail. E sim, eu também sinto claustrofobia toda vez que a internet sai do ar, como se o mundo estivesse sob o risco iminente de uma hecatombe que nos levasse de volta à era das cavernas.
Mas esse frenesi virtual de pseudo-socialização me parece cada vez mais com coitos sociais interrompidos. Semi-experiências. Proto-relacionamentos. Quase-felicidades. Micro bytes de Prozac.
Vivemos a era do super. Estamos super conectados. Super antenados. Super. Super. Super. Super tudo. E de tanto super, caímos no inexorável abismo do superficial. Super cheios de vazio. Muita instantaneidade, pouco amadurecimento. Muita informação, pouca reflexão. Cada vez mais tuítes de 140 caracteres, cada vez menos livros. Miojo intelectual, 3 minutos de sabedoria. Como vaticinou há 40 anos o psicólogo Herbert Simon: “Muita riqueza de informação gera pobreza de atenção”.
Recentemente a banda de rock Yeah Yeah Yeahs, colou um cartaz na porta do Webster Hall, onde faria show em Nova York, com os seguintes dizeres:
“Por favor, não assista ao show através de uma tela em seu smartphone ou câmera. Larguem essa merda, como um gesto de cortesia para a pessoa atrás de você e para Nick, Karen e Brian. Muito amor e muito obrigado”.
Assim tem sido a experiência de assistir a qualquer espetáculo nos últimos anos. Um mar de celulares apontados para o palco, milhares de micro-cineastas amadores, curtindo o show pela diminuta tela de um smartphone. O phone até pode ser smart, mas não sei como adjetivar o gesto de virtualizar o que deveria ser real. Trocar a infinitude tridimensional e multisensorial do espaço público por uma tela de 3 polegadas não me parece tão smart assim.
Eu sei que toda essa parafernália modernológica traz também muitos benefícios. Aproxima as pessoas. Registra fatos e acontecimentos importantes. Desvenda crimes. No limite, salva até vidas. Li em algum lugar, possivelmente na tela do facebook, que o sobrevivente de um terremoto avisou aos parentes que estava vivo sob os escombros, através de uma mensagem de celular. Não estou falando disso, estou a milhões de distância de ser um tecnofóbico. A tecnologia é útil. Foram os avanços da ciência e da tecnologia que nos trouxeram até aqui. O mundo atual pode não ser o ideal, mas certamente é o melhor que a humanidade já foi capaz de produzir. Aumentamos os indicadores sociais em quase todos os cantos do planeta. A expectativa de vida é maior. A medicina avançou brutalmente. Mais pessoas tem acesso a mais coisas. A despeito dos problemas, há mais conforto material, mais alimentos e um pouco mais de tolerância em relação às diferenças nossas de cada dia. Mas o fato de evoluirmos em muitas coisas, não significa que não haja o risco de involuirmos em algumas outras.
O fenômeno parece uma derivação aguda dos paranoicos e acelerados tempos em que vivemos. Tudo é para anteontem, e de manhã, claro. Os brinquedinhos tecnológicos, na vã promessa de nos dar mais tempo, acabaram por tirar o pouco que tínhamos. Agora tem um celular que vibra no meio almoço de domingo, que avisa no sábado sobre a encrenca no trabalho que de outro modo eu só saberia na segunda, e que apita toda vez que algo é debitado no cartão de crédito. Não basta viver no vermelho. Temos que viver também no apito. Pip! E lá se foram mais 140 reais.
A ansiedade ficou tão grande que se tornou quase insuportável viver o presente. Vivemos em fast foward, clicando freneticamente em qualquer tecla “Next” ou “prosseguir” que ousar aparecer no nosso caminho. Pulando as etapas, para descobrir logo o que se encontra do outro lado de lá.
- Suspende esse negócio de arco-íris e passa logo meu pote de ouro, que estou com pressa!
E assim, na insaciedade dos novos tempos, vamos deletando o presente para tentar antecipar um futuro que nunca chegará. Fases intermináveis de um vídeo-game em que sempre perdemos para a máquina.
Não curtimos mais o saboroso almoço, porque nosso cérebro indomável só pensa na sobremesa. A antítese do gozo. Como alguém que não desfruta o sexo, obcecado com o cafezinho que se seguirá ao ato. Vai ser bom, não foi? Não, não foi.
O melhor da viagem é o caminho. O destino pode ser apenas miragem.