quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Recordando



BEIJA-FLOR 2001
A SAGA DE AGOTIME_MARIA MINEIRA NAÊ


Enredos que remetem á África e a cultura negra brasileira sempre tem a tendência de serem desfiles memoráveis, com composições antológicas e momentos que marcam a história do carnaval, selado pela emoção.

A Beija-Flor de Nilópolis é uma das grandes escolas carioca a qual se pode dar ao luxo e o orgulho em dizer que fizera muitos enredos afros e alguns deles absolutamente inesquecíveis. Em 1983, portanto um ano antes da abertura do sambódromo, a nilopolitana foi campeã do carnaval com "A Grande Constelação das Estrelas Negras", de Joãozinho Trinta. Em 1988 voltou ao tema afro, talvez pelo centenário da abolição da escravatura, com: "Sou Negro, do Egito a Liberdade". E mais recentemente se tornou campeã , em 2007, com Corte Brasiliana.

Mas antes do campeonato de 2007 ela levaria a Sapucaí uma verdadeira feitiçaria a céu aberto. Um desfile mágico e envolvente a qual ficou para sempre denominado como a sua maior apresentação sobre o tema afro pela qual há décadas sempre fora faustosa. O ano era 2001 e o enredo __A Saga de Agotime: Maria Mineira Naê __ foi assinada pelo concilio de Laíla e seus discípulos. Muito mais que uma bela apresentação plástica e um samba inquestionável, Agotime também levou ao público e a comunidade a história de uma Mística Rainha Africana, Feiticeira e redentora dos cultos Mina-Jeje, no Maranhão. Mas quem era Maria Mineira Naê ou Agotime?
Segundo os relatos da Pajé paraense Zenaide Silva e baseado nas pesquisas que eu fiz para escrever meu livro "O Candomblé para Alento da Identidade" Agotime era uma Rainha em Daomé, como sua capital em Abomey, o reino mais importante da história de Benin e também principal exportador de escravos ao mundo novo, durante os séculos XVI e XVIII. Era um império militar temido por todos os seus vizinhos. Era uma África conturbada (como se é até hoje) de guerras tribais em lutas pelo poder. Na época em que o Brasil era Colônia de Portugal, o reino de Daomé foi invadido pelos colonizadores e Agotime aprisionada como escrava.
A rainha chega ao novo continente em corpo escravo, mas um espírito livre, pronto a cumprir a sua saga e fazer ouvir daqui o som dos tambores jêjes. Seu primeiro destino foi Itaparica, na Bahia. Vinda de uma região onde poucos escravos se destinavam ao Brasil, Agotime se depara com muitos irmãos de cor, mas não de credo. No seu encontro com os Nagôs teve o seu primeiro contato com os orixás e, através deles, a rainha escrava teve conhecimento de seu povo. Por eles soube que sua gente era chamada negros-minas e que tinham sido levados para São Luis do Maranhão. Ao chegar, Agotime percorreu vilarejos, desbravou matas e alojou-se em quilombos em busca do sinal de seu senhor. Um dia cansada, ela sentou-se à beira do rio, notou então que alguém andava pelas margens em sua direção; mesmo na escuridão da noite ela reconheceu seu senhor, Zomadonu. O saudou agora como o seu Vodum e ele, como havia prometido, lhe indicou o caminho à seguir e onde parar, falou-se sobre o local onde deveria ser erguida sua casa para o culto aos reis de Daomé. Agotime perguntou-lhe sobre sua gente, Zomadonu respondeu: Eles virão. E é no Maranhão que Agotime, a escrava, volta a ser Rainha. Sob orientação de seu Vodum funda a "Casa das Minas de São Luis do Maranhão". Após a fundação, Agotime recebeu o nome de "Maria", da região da costa da mina, na África, herdou "Mineira" e de seu Vodum "Naê". Passou então, a Rainha, a chamar-se Maria Mineira Naê.

Esta procissão da Beija-Flor fechou o primeiro dia de desfile levando o público ao delírio com a saga de Agotime. A energia e a vibração do ótimo samba enredo deixaram o público deliciado. Entrou na Sapucaí com o dia amanhecendo e já sob gritos de "É campeã, é campeã!". E saiu da Praça da Apoteose da mesma forma: ovacionada pelo público. Era uma Beija-Flor negra e cheia de rituais de fé, que pediam proteção e paz aos espíritos dos antepassados africanos. À frente da bateria, dois atabaques. No segundo carro da escola, Feitiçaria, todo vermelho e preto, com uma enorme cabeça de bode, estavam acesas velas de verdade.

A comissão de frente era composta por mulheres sacerdotisas de Agotime, que foi simbolizada por uma pantera negra, pois segundo a tradição Vodum, era o animal a que se transformava a Rainha. Com coreografia específica, a fantasia ainda é um dos "posters" mais popular do carnaval, tinha dupla face, ora felina, ora mulher, e muito admirável. Yara Barboza, bailarina da Escola de Dança Maria Odeniva, de 19 anos, representava Agotime na comissão de frente da Beija-Flor. Yara foi convidada por uma colega do corpo de baile para encenar a transformação da sacerdotisa em pantera por ser a única negra no grupo. A transformação era perfeita. Coberta pelas fantasias das outras integrantes da comissão, a rainha se despojava de seu manto real e reaparecia como pantera negra. A fantasia de rainha era retirada por três das componentes da comissão, que não revelaram mais detalhes sobre como a troca era feita. "Só posso dizer que deu muito trabalho", confessou Gislaine Cavalcanti.

Na seqüência uma ala chamava a atenção pela forma que suas integrantes desfilavam: acocoradas, eram as Pretas Velhas, teatralizando este rico personagem do culto afro. Reza a lenda, que nos bastidores da escola, houve intensos e exaustivos ensaios, para que o resultado fosse alcançado, e a ala impressionou. Senhoras que venceram o cansaço físico, da concentração à dispersão desfilando encurvadas. Desfile tecnicamente perfeito. Samba envolvente. Canto e ritmo em sintonia impar. Público ovacionando. Cultura negra das mais envolves. E como toque de magia, pra mim o melhor desfile daquele ano!

Mas é bom lembrar também, só para registro histórico, que no mesmo ano de 2001, exatamente no dia 11 de setembro, o mundo nunca mais seria o mesmo...

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