segunda-feira, 4 de junho de 2012

Ciclos




Da primeira febre de amor ao seu flagelo, da segunda, 
Mais branda, ao desértico instante do útero,
De seu desdobramento ao umbigo cortado, 
Ao tempo do seio e à época feliz do avental, 
Quando nenhuma boca se contorcia por não ter o que comer,
O mundo inteiro era um só, um nada tempestuoso;
Meu mundo fora batizado num córrego de leite.
A Terra e o céu eram como uma colina flutuante,
E o sol e a lua derramavam sua luz imaculada.

Da primeira impressão deixada pelos pés descalços, 
Da mão que se levanta, do aparecimento dos pêlos,
Ao milagre da primeira palavra afinal articulada, 
Do primeiro segredo do coração, o fantasma que adverte, 
À primeira ferida silenciosa na carne, 
O sol era vermelho, a luz acinzentada, 
E a Terra e o céu como duas montanhas enlaçadas.

O corpo progredia, os dentes irrompiam das gengivas, 
Os ossos se desenvolviam, ouvia-se o rumor do sêmen
Dentro da glândula sagrada, o sangue abençoava o coração,
E os quatro ventos, que sopravam como um só, 
Irradiavam a luz do som em meus ouvidos,
Despertando os meus olhos para o som da luz.
E amarela era a areia que se multiplicava, 
Cada grão dourado dava vida ao que lhe estava ao lado
Verde era a casa que cantava.

A ameixa colhida por minha mãe amadureceu lentamente,
O menino que ela fizera emergir das trevas 
Crescia forte ao seu lado no regaço da luz.
Era musculoso, carnudo, atento às coxas que gemiam
E à voz que, como a voz da fome, 
Comichava no rumor do vento e do sol.

E aprendi, com a primeira fraqueza da carne, 
A linguagem do homem, a retorcer as formas do pensamento
No pedregoso idioma do cérebro, a obscurecer
E novamente urdir a trama das palavras
Legadas pelo morto que, em seu alqueire sem luar, 
Não carecia de nenhum calor verbal.
A raiz das línguas se extingue num câncer estiolado,
Que é apenas um nome sobre o qual os vermes fazem um xis.

Aprendi os verbos da vontade, e tinha um segredo;
O código da noite se imprimira em minha língua;
O que fora um só eram muitos a ecoar no espírito.

Um só útero, um só espírito, expeliram a matéria, 
Um único seio amamentou o fruto da febre;
Conheci a outra face do céu que se divorcia, 
O planeta bilobado que girava em uma órbita;
Milhões de espíritos nutriam uma semente,
Como aquela que bifurca o meu olhar;
A juventude se abreviava, as lágrimas da primavera
Se dissolviam no verão e em centenas de estações;
Um único sol, um só maná, aqueciam e alimentavam.




2 comentários:

  1. Queria ter essa facilidade com as palavras. Só sei contar historinhas rs.
    Bju

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    1. Cada um tem seu estilo, ainda bem. Quem disse que suas histórias são banais? Gosto do estilo limpo que você escreve. Bjo

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