terça-feira, 18 de outubro de 2011

Um Mundo Estranho e Fascinante


       Aí temos a Amazônia, sobrevoada por nuvens e vinte países, debruçados sobre os mapas, cobiçando um pedaço de chão.
      Não é a primeira vez.
     A Amazônia tem o encanto e a frescura das telas acabadas de concluir. Conserva a tepidez do último dia da criação. E as impressões digitais do Supremo Criador.
    

        Ali, está dispersa por todos os cantos a grandiosidade. Nas águas, na terra e no céu.
     Não há maior esplendor crepuscular em nenhuma outra parte do mundo. Nem mais ofuscante meio-dia. Nem mais fascinante luar. Ali, o clarão da lua constitui uma alvorada azul, que se transforma em prata, ao toque mágico com a epiderme e flui em torrentes argênteas ao longo das copas farfalhantes.
     Tudo tem grandeza excepcional. Até o próprio perigo e as ameaças.
    Desde que se tornou conhecida do mundo ocidental, a Amazônia tornou-se fascínio perpétuo. Foi denominada até arca do tesouro do mundo. E assim a julgam ainda nas desoladas terras em que a imaginação  morreu. Também a cobiça internacional não descansou. Porque a lenda teve ali localizada a sua pátria. Desde o dia em que Orellana chegou à Espanha e atirou, aos pés de Carlos V, a narrativa das mulheres guerreiras. E logo cultíssimo bispo, que lia mais Homero do que os Evangelhos, indagou:
    ___Tinha o seio cortado? Como as amazonas da Grécia?
    Orellana não sabia dessas minúcias eruditas. Mas o nome pegou. Rio das Amazonas ficou sendo chamado desde essa tarde palaciana. Como se não bastasse, lá localizaram o fantástico “El Dorado”. E o fascínio casou-se com a cobiça. Desandaram a procurar-lhe poderoso soberano. O grande botânico Spruce lastimava que o Rei Jaime II houvesse metido Raleigh na cadeia em vez de se ter apossado da Amazônia, que  achava superior a Índia.
     A Amazônia é um mundo diferente. Nas distancias. Nos múltiplos aspectos da vida. O cardeal Vasconcelos Mota contava que, na viagem de Kansas City para Miami, gastara dez minutos para a travessia do Rio Mississipi. E diziam-lhe: “Repare como é largo o nosso majestoso pai das águas. Leva dez minutos a transpor o curso”
     Dias depois, ao regressar ao Brasil, notava que avião gastara uma hora de vôo para atravessar a foz do Amazonas. E referindo-se, com deslumbramento, ao que vira, acentuava, numa conferência, realizada no Paço Municipal de Santos: “Não se sabe o que mais admirar: se a canoridade encantadora do uirapuru ou a beleza paradisíaca da vitória-régia; ou a policromia das borboletas e da plumagem do galo da serra e de miríades de papagaios e de araras; se o sabor ambrosíaco das frutas silvestres ou das salutíferas beberagens do guaraná e do açaí”
     A vitória-régia é um deslumbramento! O naturalista Haanké atirou-se de joelhos no fundo da canoa, quando viu essa planta pela primeira vez. Para agradecer ao Criador aquela maravilhosa visão. Pareceu-lhe inicialmente inacreditável. Em seguida, um milagre da criação, a síntese de todas as belezas do sexto dia. Aquela selva vegetal de dois metros de diâmetro, flutuando nas águas do rio Mamoré, tendo, ao centro, uma flor que era uma rosa enorme, soltando um perfume inebriante, como feito de todos os olores do paraíso. As pétalas do tamanho de palmo. Imaculadas ao romper do sol, rosadas ao meio-dia e rubras no ocaso. Como um presente da noite a ser retocado pelo dia.
    Também Martius ficara maravilhado. Como Humboldt, não encontraram palavras suficientes para expressarem o entusiasmo, o arrebatamento de botânicos em face daquela espantosa criação da natureza, da Hiléia Amazônica. Uma riqueza vegetal sem par. Inspirou-lhes os monumentos botânicos, erguidos pela ciência universal. Spix, em seguida, celebrizou-se com os estudos da sua flora. Depois, o ornitologista Goeldi prosseguiu na rota do encantamento e realizou conferencias, que eram êxtases. Não era somente a Pindorama formosa, a terra das palmeiras, que Barbosa Rodrigues tanto enalteceu. Havia muito mais, muitas árvores mais. Uma selva rica em variedade de madeiras e óleos preciosos, resinas aromáticas, um laboratório a céu aberto de tinturas. Parque florístico e estufa de flores do paraíso. Farmácia com grandes remédios e venenos terríveis. Por isso Martius perdeu a rigidez classificadora de botânico e tornou-se poeta. Homem de grande fé, deixou registrada a sua passagem pela Amazônia, oferecendo um altar à catedral de Santarém, em pagamento de promessa, em momento de grande aflição.
     Conheceu, também, a majestade daquelas águas. Santarém, na foz dos Tapajós, tem defronte um oceano doce, de mais de quarenta quilômetros de largura e sessenta metros de profundidade. Quando venta forte, as águas encapelam-se. E Martius foi colhido por um violento temporal. A superfície habitualmente calma do rio transformou-se. Ondas de metro galopavam ao encontro das embarcações, afundando-as. E Martius, vendo o naufrágio iminente, fez promessa à Virgem de que mandaria erguer um altar votivo se escapasse com vida. Seria testemunho perpétuo da sua gratidão. E logo os ventos se aplacaram, as águas sossegaram. As ondas desmancharam-se em bordados de espuma. E a embarcação atingiu a margem. O altar lá ficou, atestando o reconhecimento do cientista. E sua passagem pelo chamado paraíso verde.
     E seria realmente um paraíso se não fossem os insetos. Então, bastaria tirar a roupa. Voltar a Adão. E o calor não faria sentir de maneira tão desidratante. Mas o pium, espécie de pulga com asas, atormenta e pica toda a pele sem revestimento. O carapanã zumbe e enche o corpo de calombos, com as suas ferroadas. É um pernilongo terrível. A formiga guarda a selva e está sempre em perpétua agressividade. Existe uma, preta, sedosa, enorme, cuja ferroada se assemelha à da vespa. Faz inchar e provoca ínguas. A formiga de fogo, de cor vermelha e cuja mordedura parece queimar. A formiga correição, que tudo devora na passagem. Por motivo da construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, os trabalhadores deixaram, uma noite na floresta, um cadáver de um companheiro que morrera de malária. No dia seguinte, restava somente os esqueleto, e estava limpo como se fosse destinado a um museu didático de anatomia. O caçador e escritor Francisco de Barros Junior descreve a passagem dessas formigas numa correição da largura de dez metros e que parecia uma serpente sem fim. Da mata, saia um ruído como se estivessem varrendo folhas. E as formigas sempre avançando em linha reta. Se encontram casa no caminho, atravessam por dentro. E vão devorando tudo. Vivo ou morto. Ratos, caranguejeiras, sapos, baratas, carne, peixe, tudo que encontram.
    A Amazônia é, ainda, um mundo belo, deslumbrante, em ebulição fantástica.

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